A lógica do sofrimento e a disposição de mudar

Qual é a lógica do sofrimento? Isto, claro, se for possível dizer que há uma lógica nos sentimentos que nos fazem sofrer.

Seria a angústia também uma espécie de escolha, capaz de nos tornar escravos emocionalmente de uma condição que poderia ser diferente, se vista por outras perspectivas?

O sofrimento é parte da condição humana, mas poucos de nós sabem lidar com ele ao ponto de minimizar seu potencial devastador. Todavia, a experiência de algumas pessoas que já passaram ou ainda passam por situações de angústia, dor e sofrimento intensos, nos ensina que muitas vezes o sofrimento se torna parte de algo que aprendemos a cultivar, e sustentar, em consequência da maneira como decidimos encarar a dor.

Difícil falar em “maneiras de encarar a dor” quando não sentimos a dor do outro, certo? Todavia, em maior ou menor grau, todos nós sabemos o que significa a dor. Sofrer possui significados e motivos diferentes, mas seus sintomas são os mesmos para todos nós.

De fato, não podemos conhecer a dimensão do sofrimento que pertence ao “outro”, mas podemos, sim, através do sofrimento que um dia já foi ou ainda é nosso, compartilhar com esse outro a experiência sobre como podemos lidar com a dor, afim de que nossos aprendizados se multipliquem e a lógica do sofrimento seja melhor compreendida.

A lógica do sofrimento escraviza quem não se distingue dela

Não sofremos simplesmente porque vivemos, mas sim porque algo do que vivenciamos nos faz sofrer. Esta simples constatação pode fazer toda diferença na sua maneira de encarar o teu sofrimento. Isso, porque, quando entendemos que a vida é bem maior do que a circunstância do sofrimento, deixamos de enxergar essa vida como um todo segundo a lógica do sofrimento, para ver o sofrimento apenas como uma parcela desse “todo”.

A lógica do sofrimento é a que tenta fazer você compreender tudo ao seu redor com a marca da dor. Pessoas escravizadas pelo sofrimento não se distinguem das circunstâncias que às fazem sofrer. Tudo e todos são sinônimos de angústia, temor e tristeza.

A marca da dor existe, não apenas como a cicatriz de uma experiência que já passou ou que está sendo enfrentada com coragem, mas como algo que traduz a sua maneira de pensar, agir e reagir perante a vida.

Enxergar o mundo sob a lógica do sofrimento é abrir mão das suas capacidades, tornando-se menor que a dor, embora seu potencial seja muito maior. É reduzir sua concepção de vida, bem estar e saúde, por exemplo, a uma ideia, desejo, projetos, que na prática só existiam no papel ou em suas intenções, mas não na vida real, onde suas experiências determinam a maneira como sua vida é no “aqui e a gora”.

Sendo assim, a lógica do sofrimento nos impede também de viver, porque o sujeito que se escraviza pela dor deixa de encarar o mundo como um potencial, onde ele mesmo é o maior de todos. As circunstâncias se tornam mais fortes do que a sua capacidade de converter o “mal” em “bem”, de modo que tudo o que esta pessoa poderia ser, sentir, aprender, vivenciar e ensinar, mesmo durante os momentos de angústia, perdem espaço para a dor.

O sofrimento como lugar de sentido

A dor e o sofrimento possuem sentido. Se esta afirmação parece banal para você, talvez seja porque você ainda não teve a oportunidade de passar por angústias capazes de te ensinar o suficiente acerca da vida. Talvez seja porque você ainda não percebeu que o tamanho do sofrimento que temos é, também, proporcional ao sentido que damos a “dor”.

Boa parte da luta que travamos contra o sofrimento é devido à falta de compreensão do seu significado, ou sentido, como queira nomear. Isso, porque, não estamos acostumados a encarar os períodos de angústia, dor e sofrimento, como parte natural da vida tanto quanto às alegrias, projetos bem sucedidos e ideais alcançados.

A vida da maioria de nós é um projeto com início, meio e fim, sem direito a mudanças. Sem espaço para qualquer coisa que escapa ao nosso ideal. Todavia, desde o nascimento o ser humano encara a angústia das incertezas, do inesperado e, de certa forma, do sofrimento.

O bebê ao nascer “sofre” por ver rompido seu contato umbilical com a mãe. O útero protetor, local de acolhimento, conforto e segurança, foram perdidos. O mundo se abre ao seu encontro e com ele o temor das incertezas e a necessidade de adaptação, daí a angústia manifesta pelo choro.

Entretanto, perceba que o lugar de angústia do recém-nascido também é o da esperança. Para ele, ao mesmo tempo em que surge o medo e a “dor” perante a ruptura com o antigo local de conforto, um novo mundo de possibilidades se abre. A vida se apresenta em uma nova fase. Começa a necessidade de construir seu próprio lugar de sentido perante sua existência, um longo caminho fora do útero.

A vida é maior que o sofrimento

Uma vez que você compreende o lugar do sofrimento em sua vida, se enxergando fora do útero, é possível perceber que ela (a vida) possui mais sentido do que qualquer circunstância, projeto ou “ideal”. Ela “se dá” na forma como você decide encarar seu dia-a-dia. Você deixa de ser refém de um projeto, para ser alguém capaz de dar um passo de cada vez, vendo em cada um deles motivos suficientes para continuar caminhando.

O destino dos seus passos pode ser um grande sonho, mas ele não é maior do que o simples fato de poder caminhar. Ter prazer e sentir-se realizado(a) na “simples” caminhada significa a conquista da sua liberdade emocional e psicológica perante o senhorio das idealizações.

É continuar sonhando e idealizando, sim, mas sem ser escravo(a) desse projeto. Saber que a sua vida acontece e possui razão por si mesma no percurso e não apenas na finalidade. A vida, portanto, é maior do que o sofrimento porque o sentido que você é capaz de atribuir a ela não é refém de um destino, um modelo ou “padrão” sobre felicidade, sucesso ou realizações. São suas concepções extraídas “do caminho” que te fazem encarar as circunstâncias com determinado grau de importância, e isso é uma questão de aprendizado.

Acredite, aprender é muitas vezes difícil e até envolve sofrimento, mas uma vez aprendida a lição, é você quem decide o que fazer com ela.

Pense nisso.

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